“Casa de Santa Dica” convida visitantes a conhecer o passado sem abandonar a modernidade

Na 7ª edição da Mostra Kzulo de Arquitetura, a designer de interiores Luiza Mendes, bisneta de Santa Dica, homenageia cultura e história goianas em atmosfera acolhedora

A mostra Kzulo de arquitetura, que teve início em setembro, trouxe projeto este ano com ambientes idealizados pelos principais nomes da arquitetura goiana e nacional. Dentre os destaques, a Casa de Santa Dica, uma homenagem à personalidade histórica de Goiás trazida à vida por sua bisneta, a arquiteta e designer de interiores Luiza Mendes.

Desde seu surgimento, em 2017, a curadoria dos ambientes da mostra Kzulo busca eternizar momentos através de ambientes criados por 22 profissionais arquitetos, decoradores e designers. Neste ano, a Casa Santa Dica é uma das responsáveis por contar uma parte importante da história e da cultura goiana através de um espaço que contempla a história de Santa Dica, uma revolucionária goiana que mudou a história com seus princípios de abolição de dinheiro, uso comum do solo e igualdade.

“O projeto foi elaborado sob um olhar único e parental para criar um espaço que exala conforto e sofisticação, enquanto harmoniza elementos do tradicional e do moderno”, explica Luiza Mendes. “Mais do que uma homenagem, eu quis fazer uma reinterpretação do legado de minha bisavó, criando uma ponte entre passado e presente para que esses dois tempos conversem entre si”, detalha.

Ponte entre tradição e modernidade

A inspiração para o projeto da Casa de Santa Dica veio da força, da fé e da história da própria figura de Benedita Cipriano Gomes, a Santa Dica. A partir da união de materiais nobres como madeira, mármores, fogão a lenha, bambu e tecnologias de ponta em iluminação e automação, Luiza Mendes se debruçou sobre a história de sua bisavó para arquitetar uma atmosfera aconchegante e acolhedora, que refletisse a elegância atemporal que marcou a vida de Santa Dica.

“Utilizamos peças de artesanato local goianas, como cerâmicas, bordados e talhas em madeira, usadas tanto na decoração quanto no mobiliário. Essas peças não só trazem autenticidade ao ambiente como também promovem o trabalho de artesãos locais, valorizando as técnicas tradicionais da região”, explica Luiza Mendes. Com tijolos exclusivos que lembram tijolos do tipo adobe, muito usados anteriormente na construção de casas e outros espaços, o design remete aos tempos de Santa Dica. “O uso de elementos goianos tanto no mobiliário quanto em revestimentos é uma forma de homenagear a arquitetura tradicional goiana, que muitas vezes utiliza a pedras em suas construções”, detalha Luiza Mendes, que utilizou pedras no chão e nas paredes em uma releitura da casa de sua bisavó.

Além disso, o estilo barroco, amplamente utilizado em esculturas e construções históricas goianas, como nas obras do meiapontense José Joaquim da Veiga Valle, um dos mais importantes escultores goianos, pode ser refletido em detalhes arquitetônicos ou decorativos, como molduras, cantarias e azulejos. “Esses elementos podem ser reinterpretados de forma contemporânea, mantendo a essência barroca enquanto se adaptam ao design decorativo”, aponta Luiza Mendes. Na Casa de Santa Dica, madeira, barro, mármore e teto de bambu incorporam raízes goianas ao ambiente e convidam os visitantes a revisitar o passado, mas sem deixar o moderno.

“Materiais tradicionais muitas vezes são escolhidos por sua durabilidade, e as tecnologias modernas podem ajudar a otimizar seu uso, como sistemas de automação que regulam a temperatura e a umidade dos ambientes para preservar a madeira e o mármore ao longo do tempo”, aponta. Essa combinação de respeito pelas qualidades naturais dos materiais com a aplicação inteligente de tecnologia cria ambientes que são, ao mesmo tempo, acolhedores e eficientes, tradicionais e inovadores.

O objetivo de tudo isso, afirma a arquiteta, é que, ao entrar no espaço “Casa de Santa Dica”, os visitantes sintam uma profunda conexão com a história e a cultura local, imersos em uma atmosfera de acolhimento e espiritualidade. Sua intenção é evocar um senso de reverência e curiosidade, onde cada detalhe do espaço, desde a escolha dos materiais até a disposição dos objetos, conte uma história que remete às tradições e à figura inspiradora de Santa Dica.

Um espaço de espiritualidade

Em um ambiente criado para ser acolhedor, os visitantes deverão experimentar um sentimento de serenidade, como se o espaço oferecesse um refúgio do mundo exterior, onde possam refletir, se inspirar e se reconectar consigo mesmos.  “A ‘Casa de Santa Dica’ deve ser um espaço que emociona, inspira e deixa uma marca duradoura na memória de cada visitante, fazendo com que se sintam parte de uma narrativa rica e significativa”, afirma Luiza Mendes.

Na idealização do espaço, um dos principais desafios encarados por Luiza foi garantir que todos os elementos se complementassem, e não competissem entre si. Manter a coerência estética, encontrar um equilíbrio visual em que a modernidade não ofusque a tradição e vice-versa, requer uma escolha cuidadosa de cores, texturas e formas para criar uma transição suave entre os estilos.

Nesse jogo, o paisagismo entrou como complemento à arquitetura para criar um espaço de meditação e tranquilidade com tons claros, remetendo aos elementos mais rústicos e naturais, como o barro e a palha. “Escolhemos plantas com a folhagem majoritariamente verde para trazer a sensação de relaxamento. Com arranjos desidratados de folhagens secas que remetem ao trigo, conseguimos um toque rústico e natural e um ambiente suave, intensificando a sensação de calma e bem-estar”, detalha a designer. Unidos, todos esses fatores convidam os visitantes a uma viagem pela história, cultura e espiritualidade goianas e momentos de autorreflexão.

Além da “Casa de Santa Dica”, Luiza Mendes também expõe seu projeto “Capela Nossa Senhora de Fátima”.

A mostra Kzulo de Arquitetura “Histórias” está aberta para visitação até 10 de novembro, com ingressos a partir de R$ 35 com meia entrada solidária. A exposição acontece na Casa da Enec Engenharia, na Avenida T-3, no Setor Bueno.

Santa Dica

Jovem, Dica caiu gravemente enferma e foi dada como morta. Durante o banho do cadáver, notou-se que seu corpo suava frio, um sinal de vida que surpreendeu a todos.

Após ressuscitar, Dica se tornou líder de uma comunidade que crescia ao redor de sua fazenda, onde instituiu um sistema de uso comum do solo, abolindo o dinheiro e pregando a igualdade e a distribuição de terras. Santa Dica se tornou uma figura emblemática de resistência contra as injustiças sociais e a opressão dos poderosos.

Santa Dica morreu em 9 de novembro de 1970, em Goiânia, e foi sepultada sob uma gameleira em Lagolândia, conforme seu desejo. Sua casa se tornou um local de peregrinação, e seu legado continua a ser celebrado por seus descendentes e pela comunidade local.

 

Serviço:

Mostra Kzulo de Arquitetura

Data: até 10 de novembro

Local: Casa da Enec Engenharia – Avenida T-3, Setor Bueno, Goiânia – Entrada pela Avenida T-33, Setor Bueno.

Horário de Visitação: Terça a quinta-feira: 18h às 22h; Sexta-feira a domingo: 12h às 23h. Segundas-feiras fechadas para manutenção.

Ingressos: R$ 70 (inteira) e R$ 35 (meia solidária mediante a doação de 1kg de alimento não perecível)