A tão aguardada separação das gêmeas siamesas Kiraz e Aruna, considerada a mais complexa da história do estado de Goiás, aconteceu no último sábado (10), no Hospital Estadual da Criança e do Adolescente (Hecad), em Goiânia. O procedimento, o 23º realizado pelo cirurgião pediátrico Dr. Zacharias Calil, durou quase 20 horas e contou com a atuação direta de cerca de 50 profissionais, além do uso de equipamentos de alta tecnologia.
Classificadas como gêmeas esquiópagas triplas, as irmãs eram unidas pelo osso ísquio, com três pernas e múltiplos órgãos compartilhados, incluindo tórax, abdômen, fígado, intestino e bexiga. A cirurgia foi cuidadosamente planejada e dividida em sete etapas. Com início às 8h30 do sábado (10), a primeira etapa envolveu toda a preparação e estabilização anestésica das pacientes. Em seguida, os cirurgiões iniciaram a abertura da cavidade abdominal, onde foi confirmada a fusão completa do intestino grosso e a união das bexigas, achados que não haviam sido identificados previamente em exames de imagem.
A separação dos intestinos foi conduzida na terceira etapa pela equipe de cirurgia do enquanto a equipe de urologia pediátrica entrou na quarta fase para a complexa dissecção das bexigas, praticamente fundidas. A etapa seguinte foi a cirurgia ortopédica, que desarticulou a terceira perna (não funcional) e separou as bacias, utilizando parte dos tecidos moles para reconstrução abdominal e do assoalho pélvico da última etapa. O ponto culminante da operação foi a separação do fígado, conduzida pela equipe de cirurgia pediátrica, marcando a completa separação física entre as meninas. Por fim, as equipes de cirurgia plástica, vascular e ortopédica atuaram em conjunto para a reconstrução de todas as estruturas que ficaram expostas, dando acabamento e um fechamento adequado das incisões.
O procedimento foi concluído com sucesso às 4h20 da manhã de domingo (11), quase 20 horas após o início. Após um breve período na sala de recuperação pós-anestésica, as pacientes foram encaminhadas à Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde permanecem sob monitoramento contínuo. Segundo o cirurgião pediátrico, Dr. Zacharias Calil, o pós-operatório é uma fase crítica, especialmente nas primeiras 48 horas. “Vencemos uma grande etapa, mas ainda temos um caminho importante pela frente. Seguimos com atenção redobrada”, afirmou.
Quase 50 profissionais da área da saúde estiveram envolvidos diretamente na cirurgia, ao todo, a operação envolveu 14 médicos de diferentes especialidades, como cirurgia pediátrica, ortopedia, urologia, cirurgia plástica, anestesiologia, cirurgia vascular e digestiva. Mais de 30 profissionais de apoio, entre enfermeiros, técnicos, instrumentadores e equipe da UTI, participaram diretamente da operação.
Após mais de 24 horas da cirurgia, a equipe multiprofissional do Hecad segue acompanhando de forma intensiva a evolução das meninas, que permanecem em observação, em estado grave, porém estável. Ambas estão em uso de ventilação mecânica, com dieta zero, sem piora clínica até o momento, dentro do que é esperado para este estágio pós-operatório.
Infraestrutura e tecnologia de ponta
Para garantir as melhores condições à equipe médica e às pacientes, o Hecad ofereceu toda uma estrutura adaptada ao procedimento. Foram utilizados equipamentos de alta tecnologia, como a estação de anestesia Mindray A9, Eletrobisturi de argônio e tesouras que cortam e cauterizam tecidos a frio, o que reduz sangramentos e preserva a integridade da pele.
A diretora técnica do Hecad, Dra. Flávia Godoy, destacou que a unidade foi projetada para atender casos de alta complexidade. “Desde sua inauguração, o Hecad vem se consolidando como referência nacional em cirurgias pediátricas complexas, recebendo todos os casos de gêmeos siameses encaminhados pela rede estadual de saúde. Planejamos e equipamos a unidade com tecnologia de ponta, logística integrada e equipes qualificadas para desafios como esse”, explicou.
Acompanhamento e histórico do caso
Com 1 ano e 6 meses de vida, Kiraz e Aruna são naturais de Igaraçu do Tietê (SP) e estão sob os cuidados do Dr. Zacharias Calil desde o início de 2024. Em outubro do mesmo ano, as gêmeas passaram por uma cirurgia preparatória no Hecad para a implantação de expansores de pele, próteses de silicone infláveis que estimularam a produção de tecido necessário para o fechamento das áreas expostas após a separação. “É fundamental para podermos fazer o fechamento. Sem pele suficiente para o fechamento, os pacientes não sobrevivem”, explicou Calil.
Desde então, as irmãs realizaram acompanhamento regular com consultas quinzenais e, no último mês, retornos semanais. Foram monitoradas quanto ao crescimento, ganho de peso e vacinação, garantindo condições clínicas ideais para o procedimento.
Para o diretor-geral do Hecad, Ronny Rezende, a cirurgia representa um marco para a saúde pública do estado. “É motivo de muito orgulho saber que dentro do SUS conseguimos oferecer um tratamento tão complexo com excelência, responsabilidade e humanidade”, afirmou
24ª separação: cirurgia de novas siamesas nesta terça-feira (13)
Recentemente, no dia 24 de abril, o Hecad passou a acompanhar mais um caso de gêmeas siamesas: Eliza Vitória e Yasmin Vitória, naturais de Manaus. As irmãs completaram 30 dias de vida na última sexta-feira (9) e seguem internadas na UTI do hospital para acompanhamento intensivo da equipe médica e de enfermagem.
As gêmeas, que compartilham parte do tórax, abdômen e o fígado, são acompanhadas pela mesma equipe liderada pelo Dr. Zacharias Calil, que confirmou a cirurgia de separação para esta terça-feira (13). A previsão é que o procedimento dure entre 4 e 6 horas e, embora seja considerado menos complexo do que o realizado com Kiraz e Aruna, ainda envolve riscos importantes devido à pouca idade das pacientes.
O planejamento inicial previa a separação apenas após os três meses de vida, quando as meninas teriam ganho mais peso, força e imunidade. No entanto, a decisão pela antecipação se deu após avaliação médica indicar que o comprometimento respiratório de uma das gêmeas estava sobrecarregando o coração da outra, o que poderia evoluir rapidamente para riscos à vida. Para evitar essas complicações, o Dr. Zacharias optou por já realizar a cirurgia, priorizando a segurança e a sobrevida das crianças.
Serviço:
O quê: Cirurgia de separação de gêmeas siamesas, Eliza Vitória e Yasmin Vitória
Quando: 13 de maio de 2025, às 7h
Onde: Hospital Estadual da Criança e do Adolescente (Hecad) – Goiânia-GO