Desde o primeiro contato com os projetos de robótica, motivada por sua curiosidade, a estudante Júlia Vilefort, de 13 anos, se interessou pelo assunto. Com o tempo, ela aprendeu a gostar das aulas, na medida em que percebeu que o conhecimento adquirido nas atividades científicas também era aplicável em coisas cotidianas. Quando sua escola montou um grupo para participar das competições, Júlia optou por participar da equipe, que venceu em 2021 o Torneio Nacional de Robótica – FIRA Brasil. Esse ano, Júlia se prepara para, junto com o seu grupo, representar o País na etapa mundial da competição, em agosto deste ano, e acabou se tornando também a representante das meninas na robótica, já que é a única garota no grupo das competições
A oportunidade de participar de um grupo de robótica é algo trivial para as meninas de hoje. Há 200 anos, porém, essa realidade foi muito diferente. Para se ter uma ideia, a primeira lei voltada à normatizar a educação brasileira, promulgada durante o período imperial, em 1827, definia uma matriz curricular distinta para meninos e meninas. Matérias como geometria eram ministradas apenas para eles.
Os resquícios do passado ainda insistem em permanecer presentes, ainda que de forma velada. As mulheres já passaram os homens quando se fala formação superior – 19,4% das mulheres e 15,1% dos homens com idade superior a 25 anos tem nível superior completo no Brasil. O último censo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), realizado em 2016, apontou que 50,4% dos pesquisadores, entre doutores e mestres, são mulheres.
Apesar disso, elas ainda precisam ocupar mais espaço nas carreiras relacionadas ao STEM – sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Segundo o estudo do IBGE, elas representam apenas 13,3% dos alunos de Computação e Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e 21,6% dos cursos de engenharia e profissões correlatas. Na esfera mundial, elas correspondem a 35% de todos os estudantes matriculados nos cursos de exatas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
É justamente para incentivar o acesso e a participação feminina de forma igualitária em todos os níveis do sistema educacional, sobretudo nas áreas relacionadas ao STEM, que a ONU o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, celebrado em 11 de fevereiro. “Meninos e meninas têm um universo de habilidades e saberes a serem explorados, que muitas vezes só precisam de incentivo para aflorar”, considera a diretora do Ensino Fundamental II da Maple Bear Goiânia, Sabrina Oliveira.
Em sua visão, para mudar as estatísticas, é preciso, desde as primeiras séries, oferecer diversos recursos pedagógicos para incentivar as carreiras científicas sem fazer diferenciação de gênero. E lembra que as meninas tem se destacado. “Em 2021, fizemos uma competição interna de matemática e a prevalência de premiados foi feminina. Neste ano, vamos participar de três olimpíadas de matemática e uma de ciências e todas as equipes têm representantes femininas. Temos uma unidade específica de trabalho para abordar as mulheres na ciência, as alunas já se apresentaram vestidas como grandes personalidades da pesquisa. A valoração e a inserção das mulheres em qualquer espaço é reforçada pela escola”, cita Sabrina sobre as ações da Maple Bear Goiânia.
Sabrina aponta que já percebe uma mudança de comportamento e mentalidade da sociedade, que se reflete nas meninas em fase escolar. “Vejo que essa geração está muito mais encorajada, com mais autonomia, acredita no próprio potencial e não tem o filtro social do limite. Isso permite que elas olhem para muito além”, destaca.
Na escola, as vitórias conquistadas pelas meninas têm servido de estímulo para as demais alunas. Júlia, por exemplo, se surpreendeu com o interesse que as suas colegas de escola passaram a ter pela robótica. “Depois que ganhamos a competição nacional e nos classificamos para a etapa internacional, muitas garotas falaram comigo, me parabenizaram e se sentiram encorajadas a participar”, completa a estudante.
De acordo com a instituição, para o Clube de Robótica, novo projeto em execução com aulas semanais sobre o tema, depois do pioneirismo de Júlia e seu destaque com resultados positivos nas competições, houve um aumento expressivo no interesse das meninas pela atividade, chegando a quase 50% de participação.
Obra também é lugar de mulher
Assim como a menina Júlia, a engenheira civil Laís de Oliveira Paiva Castro também teve afinidade com as áreas exatas e afins. Ainda pequena, se espelhou no pai, que é professor de matemática. Ao ser apresentada à engenharia através do irmão, que tem a mesma profissão, tomou sua decisão. Há 8 anos, se formou na área e hoje lidera uma equipe de 290 pessoas, em que mais de 90% são homens, no canteiro de obras do Plateau D’Or, condomínio horizontal em implantação em Goiânia. “A engenharia é uma área onde a gente enfrenta desafios diários e a constante solução de problemas. Isso me motivou e me chamou bastante atenção”, disse ela.
A profissional percebe a mudança de comportamento e mentalidade das mulheres em relação à ocupação de espaços predominantemente liderados por homens, como é a engenharia. “Já enfrentei situações em que as pessoas subestimaram a minha capacidade de tomar frente de determinados assuntos e tomadas de decisões por ser mulher e jovem, principalmente no início da minha formação. Tive que batalhar muito para provar que eu era capaz de assumir as responsabilidades. Hoje já percebo uma mudança e as mulheres têm conquistado cada vez mais lugares de destaque e liderança mas, claro, temos muito a avançar”, diz.
Laís reforça que as mulheres conseguem cumprir com excelência os requisitos técnicos da profissão e até extrapolá-los por suas habilidades comportamentais. “Percebo também que, em muitos casos, a habilidade feminina na comunicação, o zelo, a resiliência e empatia tem sido um diferencial que se soma à sua capacidade técnica e tem ajudado as meninas a se destacarem ainda mais na engenharia ”, completa.
Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência
A data foi instituída como Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, por meio de Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), com apoio da UNESCO, em 2015, como meta para o desenvolvimento sustentável na busca por incentivar o acesso e a participação feminina de forma igualitária, visto que ainda são necessários esforços para tal.
No Brasil, o Projeto de Lei PL 840/21 torna política de Estado o incentivo à participação da mulher nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia, matemática, química, física e tecnologia da informação. A proposta inclui a previsão na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e na Lei de Inovação Tecnológica.
O texto também inclui, entre os princípios da Lei de Inovação Tecnológica, o estímulo ao empreendedorismo feminino, por meio do acesso a linhas de crédito, do fomento à educação financeira e do incentivo à assistência técnica. Aprovado no Senado em março de 2021, o projeto ainda tramita na Câmara dos Deputados.