Mulheres pegam pesado na construção civil

Desde 2010, a encarregada de instalações Jeni Rafanhin Pereira Reis, casada e mãe de dois filhos, tem o desafio de pegar no pesado, coordenar equipes e entregar grandes obras da construção civil, trabalho, até então, tipicamente feito por homens. “Quando eu comecei a trabalhar, não existia mulher na frente de serviços, como encarregada. Em Goiás, eu devo ter sido uma das primeiras. Engenheiras já tinham, mas não ficavam full time na frente de obras. No início, sofri bastante preconceito, pois os homens não aceitavam mulher no comando, mas fomos nos adaptando e hoje está pacificado”, diz Jeni, que hoje é encarregada de obras do Gran Club Goiânia, condomínio residencial da MRV, empresa do grupo MRV&CO.

 

Jeni relata que foi vendedora de loja e de uma retífica antes de entrar para a construção civil. “Esses ambientes fechados não me chamam a atenção. Não gosto. Meu cunhado já trabalhava com obras na parte elétrica e hidráulica e acabei sendo incentivada por ele a mudar de ramo. Fiz um curso técnico em edificações, depois fiz estágio numa obra e hoje estou aqui. Trabalhar pesado nunca foi um problema. Comecei como ajudante e entrava nos apartamentos para quebrar a parede. Antigamente, não quebrava com furadeira, e martelete. Era com picola, marreta, talhadeira e ponteiro. Não é a facilidade de hoje. Eu vivia com as mãos cheias de calos”, relembra a encarregada de obras.

 

Atualmente, ela lidera uma equipe de 30 pessoas. Por ser mulher, ela precisou ter ‘jogo de cintura’. “Hoje não tenho problemas, mas, em outras empresas, em alguns momentos, precisei ser bastante enérgica e impor o respeito”, comenta Jeni, que já comandou grupos em grandes obras pelo País, como um condomínio com 1.808 unidades e a expansão de um shopping em Goiânia; um centro de distribuição de uma grande rede de hipermercado em Recife (PE), e outro supermercado em Natal (RN).

 

Em todos esses lugares, a profissional foi encarregada da instalação – área da construção civil responsável pelas partes hidráulica, incêndio, elétrica, gás e telefone. E foi justamente essa área que ela passou a executar na MRV em Goiás, em 2019. Entretanto, com a obra do Gran Club na reta final, ela aceitou o desafio de virar encarregada de obras no início deste ano e liderar toda a construção do empreendimento.

 

“Entrei na MRV como encarregada da instalação e sigo até hoje. No Gran Club, há dois meses o mestre de obras foi para outro empreendimento da empresa e, a partir de então, sou responsável pela obra, tanto pela parte civil quanto pela instaladora”, explica Jeni.

 

Outra força feminina no empreendimento é Elaine Vieira de Brito Brandão, de 37 anos, que atua como pintora. Casada e mãe de três filhos, a colaboradora diz que nunca passou por problemas pelo fato de ser mulher. “Para mim é normal trabalhar no meio de tantos homens. Nunca aconteceu de me desrespeitarem, pois nunca dei brecha”, conta a profissional que trabalha na empresa desde 2017.

 

Crescimento feminino

A presença de Jeni e de outras 40 mulheres nas obras da MRV em Goiás é uma tendência corroborada pela pesquisa do Painel da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. O documento mais recente, com dados de 2020, apontou que o contingente feminino cresceu 5,5% no setor da construção civil: foram 216.330 vagas preenchidas por mulheres, ante 205.033 carteiras assinadas por elas em 2019. Segundo o Ministério do Trabalho, o motivo para o crescimento é a forte demanda feminina, já que há grande procura das mulheres por capacitação na construção civil.

 

A fama das mulheres de se preocuparem mais com os detalhes vem sendo aproveitada nos canteiros de obras. Muitas trabalham justamente no acabamento. “A mão de obra feminina dentro da construção civil é muito importante, pois a mulher é mais cuidadosa, faz as coisas com mais capricho, mais zelo. Além de outros lugares, hoje temos mulheres por conta do check list, que é a finalização dos apartamentos, do bloco, antes de entregar. Temos mulheres rejuntadeiras, mulheres na pintura, na limpeza fina, limpeza grossa. Na parte do acabamento, as mulheres dão show”, defende a encarregada de obras, que gosta de passar as folgas nos fins de semana junto com a família pescando.

 

Para continuar a crescer, a colega de Jeni diz que as mulheres precisam de oportunidades para se profissionalizar. “Precisamos de mais oportunidades, inclusive em cursos. Tenho vontade de aprender sobre hidráulica e elétrica, por exemplo”, propõe Elaine Brandão. Segundo Jeni, é sua intenção continuar crescendo dentro da empresa. “Uma vez, um funcionário falou para mim que mulher deveria só pilotar fogão. Então, consegui provar que mulher não é só para isso, estamos conseguindo nosso espaço, e na construção civil mais ainda”.

 

5% das vagas

O projeto de lei 5358/20, em tramitação na Câmara dos Deputados, exige que, pelo menos, 5% das vagas em cargos operacionais na construção civil sejam destinadas às mulheres. Atualmente, o texto passa por comissões, como a de Defesa dos Direitos da Mulher; Trabalho, Administração e Serviço Público; e Constituição e Justiça e de Cidadania. Na primeira, o projeto já foi aprovado.

 

Na justificativa, o autor do projeto, deputado Juninho do Pneu (DEM-RJ), disse querer incentivar o ingresso das mulheres no mercado de trabalho, principalmente na construção civil, como forma de sanar problemas como a falta de mão de obra masculina nas obras e alta demanda do setor após a pandemia da Covid-19. O texto precisa ser aprovado nas comissões para ser debatido em plenário e aprovado em duas votações. Se aprovada em definitivo, a lei precisa da sanção presidencial para entrar em vigor.