O produtor rural, a Junta Comercial e a Lei de Falências

Guiando-se pela preservação das empresas, a Lei 11.101/2005 dispõe sobre ferramentas que podem ser utilizadas por empresários para conservarem as suas operações. Pois bem, inicialmente, cumpre esclarecer que, apesar da exigência estatal e a consequente incidência de sanções civis em caso de desobediência, a inscrição dos atos constitutivos no Registro Público de Empresas Mercantis goza de natureza meramente declaratória. Ou seja, trata-se, ao menos em regra, de formalidade relacionada à regularidade do empresário.

A situação de excepcionalidade, por seu turno, começa a ganhar forma, dentre outros cenários, ao se dirigir o olhar para os produtores rurais que exercem atividade econômica organizada, cuja circulação ou produção seja de bens agrícolas, pecuários ou agroindustriais. O Código Civil, vale destacar, facultou à classe supracitada a inscrição na Junta Comercial, conferindo ao ato – pelo que se analisa – natureza constitutiva.

Em outras palavras, o produtor rural usufrui da liberdade de efetuar suas transações comerciais como pessoa física ou jurídica. Sendo assim, o referido exercente somente se sujeitará ao regime jurídico empresarial por vontade própria, não estando, em caso de não inscrição, irregular perante o Estado.

A Lei de Recuperação de Empresas e Falência (Lei 11.101/2005) discrimina três requisitos legais para pleitear judicialmente a Recuperação Judicial, sendo eles: a) ser empresário ou sociedade empresária; b) atividade regular consubstanciada em exercício atual e por pelo menos dois anos; c) não se tratar de empresário impedido. Apenas os dois primeiros serão apreciados no momento.

A constituição de empresário ou sociedade empresária (aquela que tenha por objeto social o exercício de atividade própria do produtor rural) já foi elucidada anteriormente. Basta a inscrição e a consequente sujeição ao regime empresarial. Todavia, quanto ao exercício atual de atividade regular por pelo menos dois anos, requer-se atenção à essência, para aplicá-lo aos produtores rurais.

O professor Marcelo Sacramone andou bem ao desmitificar o fundamento da formalidade, que tem o propósito de impedir que empresários, ao arrepio da insolvência, se registrem, pleiteando prerrogativas próprias de entes empresariais. Dessa maneira, com amparo nas lições do autor, obsta-se o desenvolvimento da atividade empresarial irregular.

Assim alicerçado, o produtor rural que, por exemplo, houver exercido sua atividade sem se registrar, não atuou irregularmente, já que lhe era uma faculdade. Por isso, encontra-se apto ao pleito judicial, desde que esteja em exercício atual e há pelo menos dois anos, e realize, antes do ajuizamento do pedido, a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis de sua respectiva sede.

Aliás, a título de conhecimento, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou desse modo durante o julgamento, pela Quarta Turma, do REsp 1.800.032/MT, de Relatoria do Ministro Marco Buzzi. As jornadas de “Direito Comercial”, também, vêm seguindo a mesma linha de entendimento, conforme se constata em seus Enunciados 96 e 97.

Em tom de arremate, entender pelo contrário seria subverter a lógica da legislação, na qual se intentou esforços a fim de preservar a classe empresarial que, estáveis na economia local e com experiência suficiente para “tocar” o negócio, encontravam-se em crise.

Cumpre abalizar – já em tom de encerramento – a inexigência de que as dívidas sejam única e exclusivamente do período subsequente ao registro. Todos os créditos, geralmente, estarão sujeitos à Recuperação Judicial até a data de seu pedido, excetuando-se os direitos de crédito e as garantias cedulares vinculadas à Cédula de Produto Rural (CPR), que foram excluídos por expressa disposição da Lei 8.929/94, em conformidade com a Lei 11.101/2005.

Por fim, no que tange à sujeição dos créditos, ou não, à Recuperação Judicial, em virtude do momento de nascimento do direito de crédito, tal qual do momento em que se efetivou a prestação, calha aclarar que – como alguns, que sucumbem em dúvidas – crê-se que o legislador tenha utilizado da expressão de maneira imprecisa (leia-se “todos os créditos”), demandando-se, em cada caso, a devida análise.

Ainda no que tange à essa questão – de sujeição dos créditos à Recuperação Judicial – deve-se aplicar, igualmente, as regras gerais ao produtor rural. Afinal, no caso em comento, a controvérsia cinge-se na exceção à regra geral quanto aos requisitos para pleitear a prerrogativa do regime empresarial, e, uma vez constituído empresário, as normas incidirão de igual modo, com exceção do que esteja previsto em norma especifica, como já demonstrado.

*Rodrigo Siti Matos de Oliveira é acadêmico de Direito e estagiário